quinta-feira, 16 de maio de 2013

Em São Paulo

     

        Morre aos poucos quem mora em São Paulo.



Morre pela boca, pelo coração e pela mente.

O ar aspirado é putrefato, letal e mata aos poucos nossas células. Envelhecem, apodrecem e morrem.

Morre aso poucos quem mora em São Paulo.

O medo paralisa e destrói o que a cidade tinha de melhor- a vida noturna boemia e constante. O seu movimento, que antes lhe dava vida, agora é um movimento tenso. Pressa, olhos atentos, bolsas coladas ao corpo, vidros dos carros fechados. Pais neuróticos, vigilantes e superprotetores.

Morre aos poucos quem mora em São Paulo.

Morre no trânsito. No tiro disparado ou no acidente violento. Morre também quando gasta sua vida enfileirado em um caminho que não tem fim. Os ouvidos se desgastam ao som das buzinas, motores e ofensas.

Morre aos poucos quem mora em São Paulo.

Morre de raiva. Raiva que alimenta o estresse, a hipertensão e o enfarto.

Morre de desanimo ao ser obrigado a conviver com a miséria, a ignorância e a injustiça.

Morre aos poucos quem mora em São Paulo.

Morre pela boca, pelo coração e pela mente.

domingo, 5 de maio de 2013

Solidão



Ela me segue com os olhos para todo lado que eu vou. Em seu cativeiro, quando me vê se afastar parece dizer: “Não vá! Sinto medo! Não gosto de ficar sozinha”. E com o coração apertado parto para mais um fim de semana que, apesar de todas as distrações não me deixa esquecê-la.

Nós brincamos de esconde-esconde em uma caixa de papelão e seus pulinhos demonstram a alegria de brincar. Faço cócegas, afago seu focinho tremelicante, ajeito sua franja de lado e depois saio de cena.

É horrível ver algo tão desumano acontecendo e não poder fazer nada para ajudar. Quando está solta em seu reservado, ela sente o calor que sobe do cimento. Para se refrescar ela deita sobre a própria urina ou sobre um espaço minúsculo de terra ao seu alcance. Por vezes, fugiu do reservado e se escondeu em uma sala climatizada pelo ar condicionado.

Apesar de não ter seu “banheirinho”, ela é muito esperta e sempre faz suas necessidades no mesmo lugar. Mas não sei o porquê algumas vezes ela bebe a própria urina ou petisca suas “bolinhas”, apesar das minhas broncas.

Seu pelo já não é tão branco, mas continua macio ao meu toque. As marcas amareladas nas laterais de seu corpo, demonstram sua mania de deitar em sua urina. Ela é meiga e carinhosa, mas por vezes atacou quem queria prendê-la de volta em sua gaiola.

Se pudesse falar, com certeza ela diria: “Porque você não vem passar um final de semana aqui em meu lugar, onde as horas não passam e as noites são escuras e assustadoras com seus diversos barulhos?”

 Ela me segue com os olhos para todo lado que eu vou. E é lá que meu pensamento passa o final de semana.

Qual é o ensinamento disto tudo? Mostrar às futuras gerações que o homem continua se achando o dono do mundo e que a natureza está aí para nos servir? Foi com este pensamento de posse que vimos florestas inteiras serem devastadas e substituídas por cidades, estradas e indústrias. Foi pensando assim que o homem tirou a oportunidade de que seus filhos conhecessem espécies que hoje já não existem na natureza. É com este pensamento de poder e controle que milhares de aves são traficadas todos os dias para serem exibidas como souvenir em suas gaiolas.

Já teve tantos nomes que não atende por nenhum. Vive em um lugar onde todo mundo cuida e muitas vezes o “Todo mundo” significa ninguém.

E lá ela espera. Ansiosa para que o fim de semana acabe logo e receba alguma atenção.

Não sei se é um Dom ou uma maldição, mas Deus me presenteou com a capacidade de ouvir a voz daqueles que não falam.