Ela me segue
com os olhos para todo lado que eu vou. Em seu cativeiro, quando me vê se
afastar parece dizer: “Não vá! Sinto medo! Não gosto de ficar sozinha”. E com o
coração apertado parto para mais um fim de semana que, apesar de todas as
distrações não me deixa esquecê-la.
Nós brincamos
de esconde-esconde em uma caixa de papelão e seus pulinhos demonstram a alegria
de brincar. Faço cócegas, afago seu focinho tremelicante, ajeito sua franja de
lado e depois saio de cena.
É horrível ver
algo tão desumano acontecendo e não poder fazer nada para ajudar. Quando está
solta em seu reservado, ela sente o calor que sobe do cimento. Para se
refrescar ela deita sobre a própria urina ou sobre um espaço minúsculo de terra
ao seu alcance. Por vezes, fugiu do reservado e se escondeu em uma sala
climatizada pelo ar condicionado.
Apesar de não
ter seu “banheirinho”, ela é muito esperta e sempre faz suas necessidades no
mesmo lugar. Mas não sei o porquê algumas vezes ela bebe a própria urina ou
petisca suas “bolinhas”, apesar das minhas broncas.
Seu pelo já não
é tão branco, mas continua macio ao meu toque. As marcas amareladas nas
laterais de seu corpo, demonstram sua mania de deitar em sua urina. Ela é meiga
e carinhosa, mas por vezes atacou quem queria prendê-la de volta em sua gaiola.
Se pudesse
falar, com certeza ela diria: “Porque você não vem passar um final de semana
aqui em meu lugar, onde as horas não passam e as noites são escuras e assustadoras
com seus diversos barulhos?”
Ela me segue com os olhos para todo lado que
eu vou. E é lá que meu pensamento passa o final de semana.
Qual é o
ensinamento disto tudo? Mostrar às futuras gerações que o homem continua se
achando o dono do mundo e que a natureza está aí para nos servir? Foi com este
pensamento de posse que vimos florestas inteiras serem devastadas e
substituídas por cidades, estradas e indústrias. Foi pensando assim que o homem
tirou a oportunidade de que seus filhos conhecessem espécies que hoje já não
existem na natureza. É com este pensamento de poder e controle que milhares de
aves são traficadas todos os dias para serem exibidas como souvenir em suas gaiolas.
Já teve tantos
nomes que não atende por nenhum. Vive em um lugar onde todo mundo cuida e
muitas vezes o “Todo mundo” significa ninguém.
E lá ela
espera. Ansiosa para que o fim de semana acabe logo e receba alguma atenção.
Não sei se é um
Dom ou uma maldição, mas Deus me presenteou com a capacidade de ouvir a voz
daqueles que não falam.